08/05/10

a sorrir

Um conselheiro do ex-presidente Clinton afirmou uma vez no meio de uma crise especulativa, que na próxima reincarnação não aspirava ser nem Presidente nem Papa. Aspirava era a ser o mercado (de obrigações) porque o mercado agora é que manda.
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Ao retirar Deus dos negócios humanos, a que me referi num post anterior, o pensamento protestante retirou do governo da sociedade a autoridade pessoalizada, a quem Deus servia de modelo, e substituiu-a por autoridades impessoais - a autoridade do mercado, mais ao gosto do pensamento anglo-saxónico, e a autoridade do Estado democrático, mais ao gosto do pensamento germânico. É a estas duas autoridades impessoais que se deve atribuír a presente crise económica e financeira que, em breve, será também uma crise política.
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A autoridade política pessoalizada tem um só grande inconveniente. Ela permite às pessoas pessoalizarem na figura do governante todos os males reais e imaginários de que elas sofrem e de que sofre o país, frequentemente mais os imaginários do que os reais. Até à década de 70, os portugueses lançavam sobre Salazar a culpa de todos os males de que sofria o país - eram males mais imaginários do que reais. Portugal era na altura uma extraordinária máquina de crescimento económico, o país que ao longo de quase cinco décadas mais cresceu em toda a Europa Ocidental (11.2% em 1973) e o 24º país mais desenvolvido do mundo (hoje é 33º).
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Em Espanha, os espanhóis descarregavam sobre Franco, e na Grécia os gregos faziam-no sobre os coronéis. Na década de 80 todo o mundo, a começar pelos chilenos, apontava o dedo a Pinochet, como hoje faz em relação ao Papa a propósito da pedofilia. A verdade, porém, é que Salazar em Portugal, Franco em Espanha, os coronéis na Grécia, Pinochet no Chile entregaram performances económicas aos seus respectivos países que foram extraordinárias e inimitáveis por qualquer dos regimes democráticos que se lhes seguiu.
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O ponto importante é que contra as autoridades impessoais, como o mercado e o Estado Democrático, ninguém se pode revoltar, significando que estas autoridades não são reformáveis. A Grécia, primeiro, e agora também Portugal e a Espanha, estão a ir à ruína por causa dos ataques do mercado obrigacionista e dos excessos do Estado democrático. Não é possível fazer um 25 de Abril contra os abusos destas autoridades como foi possível fazer contra Marcello Caetano.
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Vamos ter de aguentar até ao fim os abusos que as autoridades impessoais do mercado e do Estado democrático nos queiram impôr. E só quando estivermos na ruína vamos compreender que uma autoridade pessoal, tudo medido, é preferível. Sempre se pode pode dialogar com ela, sempre se lhe pode pedir ou exigir que mude o curso dos acontecimentos, sempre se pode pôr fora, caso ela não atenda estes pedidos ou exigências. Salazar, Franco, os coronéis, Pinochet, onde quer que estejam, devem estar a sorrir.

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