18/05/10

não

Pacote de emergência para salvar o Euro: Americanos dizem não (aqui) e alemães parecem voltar com a palavra atrás (aqui).

16/05/10

questões essenciais

Por que é que os países católicos - os PIIGS - se deixaram resvalar para esta situação económica e social dramática (como vamos ver nas próximas semanas), sem que se tenha gerado um consenso em termos de soluções a adoptar que, a tempo, evitasse chegarem a este ponto? E porque é que os países protestantes conseguem fazê-lo?
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A resposta tem a ver com a diferente história religiosa destes dois grupos de países. A Reforma religiosa nos países protestantes questionou as verdades essenciais da vida - que eram as verdades do catolicismo - e dividiram profundamente esses países, os quais foram o palco de numerosas e sangrentas guerras religiosas. Aprenderam que podiam discutir questões essenciais da vida humana, mas tinham, não obstante, de o fazer com civilidade, porque a alternativa era a guerra.
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Os países católicos, pelo contrário, proibiram a discussão pública dessas questões essenciais. Foi essa a função da Inquisição. A Inquisição poupou guerras religiosas e milhões de vidas, especialmente em Portugal e Espanha. Mas ficou a ideia de que as questões essenciais da vida não são para serem discutidas em público.
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Por isso, a característica principal das discussões públicas em Portugal (e nos outros PIIGS) é a de que fogem imediatamente das questões essenciais, para se concentrarem em aspectos laterais e superficiais. Nunca se discute o cerne da questão e, se por acaso, isso acontece, as pessoas imediatamente se dividem e agridem. Na tradição católica, a discussão das questões essenciais da vida é reservada a uma elite, e a discussão é para ser tida em privado.
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Reside aqui a razão porque os PIIGS foram progressivamente arrastados para a situação em que se encontram, que se podia prever à distância, mas cuja cultura impedia que lhe pusessem um travão.

a mulher argentina



Há cerca de quatro anos visitei a Argentina pela primeira vez. Estive quinze dias repartidos por Buenos Aires, Tucuman (a cidade onde a Argentina foi fundada) e em Mar del Plata. Era um país que eu tinha muita curiosidade de visitar por duas razões principais.

Primeira, porque a Argentina era tradicionalmente o país mais rico da América Latina, uma espécie de elite da região, embora na altura em que o visitei já tivesse sido ultrapassado pelo Chile. Havia aquela rivalidade tradicional entre a Argentina e o Brasil, a primeira mais elitista, o segundo mais popular, que era também uma herança das diferenças entre os seus respectivos colonizadores, Espanha e Portugal, respectivamente - e eu pretendia observar as diferenças.

A segunda razão é que a prosperidade argentina, sobretudo durante a Guerra vendendo carne para os ingleses, mas que já vinha de trás, tinha feito com que algumas manifestações culturais da Argentina tivessem chegado à Europa e a Portugal, como era o caso do tango. A geração dos meus pais dançava o tango e, embora eu não dançasse, era uma dança que eu continuo a apreciar. Aprecio sobretudo a beleza feminina no tango. Embora seja uma dança que é comandada pelo homem que tocando com os dedos no corpo da mulher lhe comunica os próximos movimentos, era claro para mim que a estrela do tango era a mulher - a elegância, a sensualidade, a beleza, o glamour.

E foi essa beleza feminina que eu fui procurar na Argentina. O país tinha saído de uma aventura de dez anos semelhante à do euro, mantendo uma taxa de câmbio fixa e de paridade com o dólar americano, que na prática equivalia a ter uma moeda comum com os EUA. Essa política arruinou o país que em 2002 a teve de abandonar e deixar flutuar o peso. Foi nestas condições que eu andei à procura do meu estereótipo da mulher argentina glamorosa.

Foi uma decepção. Claro que havia mulheres bonitas nas ruas, mas o vestidinho já tinha muitos anos, e um dinheirinho para comprar um novo teria feito muito jeito. Aquele cabelo já não via cabeleireiro há meses. Teria dado jeito um dinheiro para comprar uns cosméticos para fazer reluzir a pele e fazer sobressaír os lindo olhos. E faltavam sobretudo os sapatos. Os sapatos que davam à perna da mulher argentina aquela beleza especial quando dançava o tango, não havia dinheiro para os comprar.
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Viam-se mulheres bonitas em Buenos Aires, Tucuman e Mar del Plata. Mas não reluziam. Faltava o dinheirinho para o cabeleireiro, para o sapatinho e para o vestidinho, mais uns cosméticos para compôr. Que pena.
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É assim que vai ficar a mulher portuguesa em breve.

Proximamente

Proximamente em Portugal (aqui).
Alemães perdem paciência (aqui).

Quando Portugal sair do Euro - um acontecimento que me parece estar agora a curta distância no tempo - a região mais afectada, em termos de emprego, será Lisboa. É aí que se encontram os empregos do Estado e das empresas públicas - muitos deles posssuindo um carácter político, e portanto dispensável - que têm sido mantidos pelos níveis de endividamento tornados possíveis pela moeda única.
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Sem euro, e com o bento, os custos de financiamento serão mais elevados. O Estado e as empresas públicas serão os mais afectados e terão de despedir em massa. Lisboa deixará de ser a região do país onde, com mais probabilidade, se encontra emprego para passar aquela onde, com mais probabilidade, se fica no desemprego.
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Os desempregados vão regressar, em grande parte, às suas terras natais, onde frequentemente possuem casa e outros activos, como terras e sobretudo relações pessoais que lhes permitirão viver, e onde o custo de vida é apreciavelmente mais baixo que em Lisboa. A saída do euro vai fazer a descentralização económica do país que o euro só tem contribuído para centralizar.

14/05/10

infalibilidade do Papa

Depois de 36 anos de democracia e da tão reclamada liberdade de expressão do pensamento, que ideias novas surgiram em Portugal que tenham contribuído para o bem comum, que benefícios trouxe então a liberdade de expressão do pensamento?
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Não me ocorre uma só.
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É certo que ideias novas de carácter económico, político e social foram introduzidas em Portugal nos últimos 36 anos. Mas nenhuma da autoria dos portugueses ou porque os portugueses tenham chegado a elas por qualquer consenso mais ou menos alargado. Foram todas importadas do estrangeiro ou impostas pelo estrangeiro.
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O princípio da infalibilidade do Papa que tanta adversidade gerou entre os chamados livres pensadores do século XIX tem um alcance prático que raras vezes tem sido posto em relevo. Na cultura católica quando se põe uma questão à discussão entre as pessoas, a conversa vai-se tornar interminável, sem que alguma vez se chegue a um consenso, por mínimo que seja, e mesmo as boas ideias que possam surgir se perdem no meio do ruído geral. É uma consequência do personalismo católico segundo o qual cada um tem em si uma chama de Deus.
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De maneira que esta cultura precisa de uma instituição que ponha fim à discussão interminável, divisiva, e sempre inconclusiva. É essa a função do princípio da infalibilidade do Papa. "Acabou-se a conversa! É assim e não há mais discussão. Maria era Virgem, ponto final. Foi um milagre de Deus"
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Se não fosse assim, ainda hoje estaríamos a discutir ferozmente entre facções se Maria era virgem ou não. Foi por estas questões que se geraram as guerras religiosas na Europa que mataram milhões de pessoas. A solução católica, mais uma vez, foi a mais racional. Há um homem que decide a contenda e põe fim à discussão. Acabou-se. É assim e acabou-se. Não se fala mais no assunto. Não morre ninguém.

aleatórios

Aos comandos de qualquer processo social ou instituição deve estar um homem dotado de poder absoluto, que só responde perante Deus e não perante o povo, que assume as responsabilidades por tudo o que de mau esse processo ou instituição produzir, mas que também dispõe dos poderes para corrigir esses males. Esta é a mensagem essencial do catolicismo em matéria social.
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Todas as doutrinas sociais, como o liberalismo e o socialismo, que tiveram origem no protestantismo se opõem a este princípio. Ninguém deve ter um tal poder ou, então, se o tiver, deve responder perante o povo, para que o povo o possa substituír a qualquer momento. O liberalismo anglo-saxónico inclina-se para a primeira solução, daí o seu ênfase no mercado livre - ninguém está aos comandos. A social-democracia germânica inclina-se para a segunda solução, e daí o seu ênfase na democracia - quem está aos comandos deve responder perante o povo para que possa ser substituído.
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O conflito é, portanto, entre, por um lado, a autoridade exercida por uma pessoa que só responde perante Deus, e a autoridade exercida seja por ninguém seja pelo povo. É também o conflito entre ser uma razão-humana a comandar os processos sociais, ou nenhuma razão humana a fazê-lo, substituindo-a pelos chamados processos espontâneos ou impessoais, como o mercado ou a democracia.
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A solução católica apela, pois, à razão humana; a solução protestante exclui-a e os processos sociais passam a ter resultados aleatórios. Pode tudo correr muito bem, mas também pode tudo correr muito mal, porque nenhum homem está aos comandos com os poderes suficientes para controlar os resultados e os corrigir. A solução da cultura protestante exige um grande optimismo, uma fé pura kantiana que não está assente em nenhuma base racional.
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A cultura protestante, com a aleatoriedade dos seus resultados sociais, pode ser capaz de grandes coisas, se tudo correr bem, mas também pode levar a sociedade à desgraça, se tudo correr mal. A cultura católica nunca chega a este extremo da desgraça. Nesta cultura, o homem de poderes absolutos seria removido do seu lugar antes que isso acontecesse, nem que fosse pela força. A cultura católica, com o seu ênfase na razão humana, é uma cultura de equilíbrio, a força da gravidade que impede que o pêndulo entre em roda livre.

nada

As medidas de austeridade adoptadas pelo governo não vão resolver nada. São meros paliativos.