08/05/10

São ideologias

A Reforma protestante do século XVI dividiu a Europa Ocidental em duas, a França sendo a fronteira. A norte, ficaram os países onde o protestantismo conseguiu avanços significativos e que ficaram marcados pelo predomínio da cultura protestante, como a Alemanha, a Holanda, a Dinamarca, a Suíça, os países escandinavos e a Grã-Bretanha, se bem que alguns enclaves católicos – como a Austria e a Irlanda – tivessem sobrevivido neste ambiente. A sul, ficaram os países onde o protestantismo foi barrado, e que mantiveram uma cultura homogeneamente católica, como Espanha, Portugal, a Itália e a ortodoxa Grécia. Portugal e Espanha, em particular, foram os líderes activos da chamada Contra-Reforma.
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A expansão colonial do século XVI ficou marcada pelo mesmo padrão. Os dois países da América do Norte - Canadá e EUA -, herdaram a cultura predominantemente protestante da Inglaterra. A América do sul e central herdou a cultura predominantemente católica dos seus colonizadores, Portugal e Espanha. O Brasil é hoje o país com a maior população católica do mundo, e a América Latina o centro do catolicismo no mundo.
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A origem do movimento protestante é atribuída geralmente a Lutero quando em 1517 afixou as suas célebres 95 teses de contestação à Igreja Católica na porta da Igreja de Wittenberg, na Alemanha. Na Suíça, Calvino viria a ser um dos maiores protagonistas do movimento protestante. Porém, antes de Lutero e Calvino, o movimento protestante tinha tido precursores na Inglaterra e na Boémia (actual República Checa), com John Wycliffe (1320-1384) e John Hus (1369-1415), respectivamente.
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O movimento protestante pulverizou-se extraordinariamente logo a apartir da sua fundação, a tal ponto que se estima existam hoje mais de trinta mil igrejas ou seitas protestantes e não é fácil, por isso, encontrar elementos comuns entre elas. Excepto um. A contestação da autoridade da Igreja Católica e, em particular, da autoridade do Papa, como mediadora entre Deus e o homem é o único traço que une a multiplicidade de seitas religiosas oriundas do protestantismo.
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Tendo negado a autoridade da Igreja, numa altura em que a religião possuía uma influência decisiva sobre o espírito das pessoas e a sua maneira de organizar a vida, a cultura protestante teve de desenvolver doutrinas que, em substituição da doutrina da Igreja, permitisse às pessoas sujeitas à sua influência refazerem a sua vida pessoal e social quer em termos espirituais quer em termos materiais. Neste último campo, duas doutrinas emergiram do protestantismo e ganharam forma a partir do século XVIII, uma na Grã-Bretanha, a outra na Alemanha.
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O Liberalismo moderno é um descendente directo do protestantismo britânico. Teve origem na muito anti-católica, presbiteriana Escócia, pela mão dos chamados moralistas escoceses do século XVIII, como Adam Ferguson, David Hume e Adam Smith. David Hume, o primeiro filósofo ateu moderno, é, por vezes, considerado o pai do liberalismo moderno. O seu amigo Adam Smith é considerado o pai da Ciência Económica Moderna, com a publicação em 1776 do seu livro “A Riqueza das Nações”.
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Ao mesmo tempo na Alemanha, e sob a influência do filósofo Immanuel Kant, às vezes chamado o filósofo do portestantismo, desenvolvia-se a corrente de pensamento que, prosseguindo em Hegel e Marx, viria a dar origem ao socialismo moderno. Uma das teses mais influentes de Kant foi a de considerar que somente os fenómenos possuindo manifestações exteriores podem ser objecto de discussão racional. Fenómenos de natureza espiritual, como a crença em Deus, ficam excluídos desta esfera. A partir de Kant, a marca distintiva do pensamento científico moderno passa a ser a exclusão de Deus de toda a consideração. Esta ideia vai directamente contra o pensamento católico, que não apenas defende que se pode chegar a Deus pela razão, como Deus é Ele próprio a razão e a fonte de toda a criação.
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A ideia que já se adivinhava em Hume e que atinge o seu apogeu em Kant de que para se ser científico ou racional não se pode falar em Deus possui enormes consequências.
A primeira é a de que o catolicismo, com a sua insistência na primazia da ideia de Deus, não é uma doutrina racional e científica, quando a realidade é que o catolicismo permanece a única doutrina que afirma a racionalidade da crença em Deus, ao passo que Kant e os filósofos modernos na sua linha remetem essa crença para o domínio puro da fé.
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Segunda, todos os cientistas, para serem verdadeiramente cientistas, têm de ser agnósticos ou ateus. Na Economia, e nas ciências sociais em geral, ser científico ou racional significa tratar a sociedade como se Deus não existisse. Esta atitude intelectual envolve uma contradição fundamental. Por uma lado força o economista e outros cientistas sociais a analisar a sociedade como se Deus não existisse, ao mesmo tempo que se confronta com os factos da realidade de uma maneira insanável. É que não existe sociedade humana, presente ou passada, que não tenha tido um Deus.
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Segue-se que as ciências sociais modernas não tratam de uma sociedade que existe. Elas tratam de uma sociedade que não existe – uma sociedade sem Deus – e, portanto, elas não podem descrever a realidade. Elas são, na melhor das hipóteses, sistemas de ideias que se pretendem impôr à realidade. São ideologias. Não pretendo discutir aqui se a realidade seria melhor ou pior com essas ideologias. Pretendo apenas enfatizar que aquilo que os jovens aprendem nas Faculdades de Economia, de Sociologia, de Direito, de Filosofia não tem nada que ver com a realidade. São meras construções mentais.

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