01/05/10

processos impessoais

Este artigo citado pelo Joaquim a partir do Times é muito significativo do pensamento moderno. Ele pressupõe que há basicamente dois modelos sociais no Ocidente, o modelo liberal de inspiração anglo-saxónica, e o outro que o autor designa por modelo Europeu, que é o modelo social-democrata de inspiração germânica.

O modelo liberal entra em ruptura pela falência de grandes empresas privadas, como a Lehman Brothers; o modelo social-democrata entra em ruptura pela falência dos Estados nacionais, como agora está a suceder na Grécia. Num caso falha o mercado, noutro falha a democracia. Em ambos os casos falham processos impessoais.

Um ponto significativo do artigo é que o autor parte do princípio de que, para além das doutrinas do liberalismo e da social-democracia - ambas de inspiração protestante -, não existe mais pensamento na Civilização Ocidental. A verdade é que existe, embora não esteja suficientemente desenvolvido e divulgado. Refiro-me naturalmente à Doutrina Social da Igreja. E uma das diferenças cruciais entre o pensamento social católico, e o pensamento social protestante, tal como expresso quer na doutrina liberal quer na doutrina socialista, é a sua rejeição dos processos impessoais, e o seu ênfase no chamado personalismo católico.

Num processo impessoal, como o mercado ou a democracia, todos participam nele mas ninguém é responsável pelos seus resultados. Uma das consequências é que ninguém é capaz de travar este processo mesmo quando todos vêem que ele se encaminha para o desastre. Neste aspecto, não vale a pena sequer perguntar qual é pior, se o mercado ou a democracia. São iguais. Ninguém os consegue parar. Só param quando há desastre. Daí a importância de manter estes processos - o mercado e a democracia - dentro de esferas que salvaguardem a pessoalidade, as quais são necessariamente as esferas das pequenas comunidades.

Enquanto os processos sociais se mantêm dentro de esferas pessoalizadas é possível chamar à razão os seus participantes quando eles se encaminham para produzir resultados que são danosos para a comunidade. Porém, quando eles se tornam processos impessoais e de massa, não é possível falar com ninguém, e não é possível corrigir-lhes os erros. O apelo à razão deixa de funcionar, os processos tornam-se a-racionais, e não existe mais garantia de que eles estejam ao serviço das pessoas, e não as pessoas ao serviço deles.

É função da autoridade política proteger as pessoas dos resultados indesejáveis de processos sociais impessoais, impondo-lhes limites e restricções. Mas esta função só pode ser desempenhada eficazmente se a autoridade política não fôr o resultado, ela mesma, de um processo impessoal. Quem levou as finanças públicas da Grécia ao estado em que se encontram? O actual primeiro-ministro, o anterior, aquele que serviu antes dele ou ainda o precedente? Foram todos e nenhum em particular. Não há maneira de pedir responsabilidades a ninguém, tanto mais que cada um deles actuou em nome do povo.

Quanto a Portugal, que está na segunda posição em relação à Grécia, e mesmo perante o exemplo grego, alguém pode razoavelmente esperar que o governo inverta o curso das suas políticas por forma a evitar uma bancarrota semelhante à da Grécia? Claro que não. No fundo, a actual situação das finanças públicas portuguesas não é da responsabilidade deste governo senão numa pequena medida; todos os anteriores contribuiram para ela. Não há maneira de parar este combóio. Excepto quando ele bater na parede.

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