25/04/10

liberdade católica

O Rui a. afirma neste post que eu mudei muito nos últimos anos, ao ponto de desdizer praticamente tudo aquilo que havia dito no passado. Eu penso que mudei alguma coisa, mas não convém exagerar.
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Um ponto onde certamente mudei é na concepção de liberdade - mas não na ideia de liberdade em si - e é sobre este ponto que gostaria de elaborar, tanto mais que me parece que é este ponto que é decisivo para a avaliação que o Rui a. faz do meu percurso. Para tanto uma pequena digressão filosófica é necessária, porque é nesta digressão que está a chave da mudança.
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O tema central da Reforma Protestante foi a constestação da autoridade do Papa e é ainda esse ponto - aliás, o único - que ainda hoje une as diferentes denominações protestantes. O Papa é o representante de Deus, e portanto não seria nada surpreendente que mais cedo ou mais tarde a filosofia de inspiração protestante - que é a filosofia moderna - internalizasse esta ideia e contestasse a autoridade de Deus. Assim o fez.
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Foi Kant o filósofo que matou Deus. Se se disser que foi David Hume antes dele, eu não contestaria, porque não me parece ser um ponto decisivo. Hume é o filósofo do protestantismo anglo-saxónico e Kant o filósofo do protestantismo continental, que é essencialmente germânico. O protestantismo que se exprimiu na filosofia moderna a partir destes dois filósofos rejeitou uma ideia de liberdade - que eu chamarei aqui de liberdade natural - e substituiu-a por uma outra - a que chamarei liberdade moderna.
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A ideia de liberdade que prevalecia até à modernidade era, de facto, uma ideia de liberdade natural, aquela que emerge da família. E que liberdade é que um pai concede a um filho? A liberdade para fazer tudo aquilo que ele quiser desde que não seja mau para ele próprio ou para os outros. Quando o filho cresce, e se supõe que ele passa a saber aquilo que é mau para si próprio, a sua liberdade fica apenas limitada pela restricção de não fazer mal aos outros.
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O primeiro aspecto a salientar é o conteúdo concreto desta concepção de liberdade: "podes fazer isto, aquilo e aqueloutro, contanto que não faças mal aos outros". O segundo aspecto a salientar é que esta liberdade é limitada pela autoridade, inicialmente a autoridade do pai, depois as diversas autoridades que um homem encontra pelo caminho ao longo da sua vida, como a do professor, do patrão, etc., e, em última instância, quando não restar nenhuma autoridade humana acima dele, a sua liberdade é limitada pela autoridade de Deus. Esta é a concepção cristã (católica) de liberdade.
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Muito diferente é a liberdade moderna. Nós ainda hoje nos recordamos que no 25 de Abril que hoje se comemora toda a gente dava vivas à Liberdade, aliás a data é ainda hoje considerada o Dia da Liberdade. Trata-se, obviamente, de uma concepção abstracta de liberdade e, por isso, cada um dá-lhe o conteúdo que quer. Para uns, liberdade está na capacidade de votarem em eleições democráticas cada quatro anos, para outros em fazerem aborto a pedido, para outros ainda em depreciarem terceiros a seu bel-prazer; para outros ainda em terem um Estado mais pequeno; e para os homossexuais em poderem casar como fazem os heterossexuais. Já se vê que, nesta concepção abstracta, não há entendimento possível sobre o que seja a liberdade. Esta é uma concepção a-racional de liberdade, ao contrário da concepção católica.
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Em segundo lugar, depois de a filosofia moderna matar a autoridade de Deus, a liberdade moderna é limitada, não por uma autoridade pessoalizada e em última instância por Deus, como a liberdade católica, mas por uma outra abstracção - a lei. Em última instância a lei é que define o que é a liberdade. Ontem não havia liberdade para fazer um aborto, hoje já há. Hoje não há liberdade para dois homossexuais casarem, mas amanhã já pode haver. As dificuldades aumentam quando o sistema judicial não é eficaz, como acontece em Portugal, porque passa então a ser liberdade tudo aquilo que o sistema judicial não consegue penalizar. A concepção moderna é uma concepção arbitrária de liberdade. Dois homens perfeitamente racionais nunca chegarão a acordo sobre o que seja a liberdade.
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Era esta a concepção de liberdade que eu possuía no final dos anos 80 antes de saber no que ela dava. Hoje, perante os resultados que estão debaixo dos olhos, e fruto de uma mais profunda reflexão, não a perfilho. Perfilho a concepção de liberdade católica, que é uma liberdade concreta ("podes fazer isto, mas não aquilo") e uma liberdade que está sujeita a uma autoridade, em última instância a autoridade de Deus. Mas não me parece que, por esta diferença, eu seja hoje menos radical na defesa da liberdade do que era há vinte anos (como ainda hoje sou relembrado aqui).

1 comentário:

  1. O problema que deve ser equacionado é o que é essa coisa de Direito se o direito é incerto, definido pela vontade geral.

    A concepção de direito natural é assim absolutamente necessária, o direito natural, seja aquilo que for (vamos deixar isso de lado, por agora), deve ser universal e intemporal e estar na base de qualquer ordem social.

    Assim , a democracia parlamentar será ou não legítima se na sua base um direito natural que participa num processo de decisão colectivo de forma voluntária e daí ter que ser o direito de secessão o processo que compatibiliza um dado regime constitucional com o direito natural.


    Se pensarmos bem, a democracia existe essencialmente para legitimar as limitações ao direito natural como actos voluntários. O que estará certo se o direito de secessão existir.

    Agora, isto é muito diferente de partirmos da vontade geral para o direito. O que hoje assistimos é a concepção da democracia como um fim em si mesmo, como a fonte última do direito.

    O direito de secessão levanta outra possibilidade interessante, qualquer regime, seja censitário ou outro de não-voto universal pode ser assim considerado legítimo se a capacidade de secessão estiver reconhecida e estabelecida já que a participação em tal ordem social pode ser vista como voluntária.

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