Os yields das obrigações do governo grego a dois anos atingiram esta semana 32%. Ora, com valores desta grandeza, aquilo que os mercado estão a descontar já não é que a dívida do governo grego será reembolsada em euros. Aquilo que eles estão a descontar é que será reembolsada em dracmas - e dracmas fortemente desvalorizados.
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É possível prolongar a permanência da Grécia, bem como de Portugal e Espanha, no euro talvez um ano ou dois. Mas não é possível prolongar mais. A ajuda da UE/FMI à Grécia, se vier, vai prolongar a agonia, mas não resolve o problema. Um dos instrumentos-chave da receita do FMI, senão mesmo o principal, é a desvalorização da moeda. E dentro do euro a Grécia e Portugal não podem desvalorizar. Só podem fazê-lo fora dele.
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A saída do euro, e a desvalorização que se seguirá das moedas nacionais, vai levar as economias dos PIGS a fecharem-se por alguns anos. O custo de comprar produtos estrangeiros vai ficar muito elevado, e a procura passa a ser para produtos nacionais mais baratos, fazendo surgir novas empresas nacionais, ou fazendo expandir as existentes, que produzem para os mercados locais e nacional. Esta é uma característica da economia de tradição católica que tenho vindo a descrever, a prioridade que os produtores devem dar, primeiro ao mercado local, depois ao mercado nacional e só em último lugar ao mercado global. Tal significa que para os PIGS, pelo menos, a globalização está prestes a acabar.
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Num mercado local os produtores conhecem os consumidores e as suas necessidades, e podem orientar as suas produções para a satisfação dessas necessidades. Pelo contrário, o mercado global é uma abstracção, ninguém conhece ninguém, dificilmente as produções se podem ajustar às necessidades dos consumidores. Não surpreende que a experiência da globalização se tenha traduzido numa enorme crise que, na zona Euro, está a afectar os PIGS em primeiro lugar.
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E está a afectar os PIGS em primeiro lugar porque sendo países de tradição católica estão habituados a produzir para mercados locais, em primeiro lugar. A instituição económica por excelência destas economias é a pequena empresa - a empresa familiar. Estes países nunca tiveram muitas multinacionais, que são as empresas adequadas a produzir produtos estandardizados para mercados globais. Essa é uma característica das economias de tradição protestantes (EUA, RU, Alemanha, etc.).
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Para os PIGS a saída do euro representa voltarem a produzir de acordo com a sua tradição católica: pequenas empresas servindo em primeiro lugar mercados locais. Será assim também que em Portugal se vão revigorar as pequenas cidades do interior que a recente onda de globalização praticamente fez desaparecer do mapa económico do país.
Bom dia,
ResponderEliminarContinua a ser um enorme prazer le-lo! Posso fazer-lhe uma pergunta basica?
Admitamos que Portugal sai do Euro. Alguem que tenha um emprestimo num banco portugues de 10.000 Euros por exemplo passa a ficar com o mesmo emprestimo em escudos com a taxa de cambio feita aquando da mudanca?
Se assim for, entao e' verdade que o melhor a fazer nesse iminencia seria colocar dinheiro fora de Portugal, esperar que o escudo desvalorize, e pagar o emprestimo?
Levado ao extremo o argumento, numa situacao de saida eminente do Euro poderia ser vantajoso contrair emprestimos para simplesmente colocar o dinheiro fora de portugal e o fazer entrar quando a moeda caisse?
Nao se preocupe, isto e' *mesmo* uma pergunta hipotetica, eu nem sequer vivo em Portugal (dai nao usar acentos) e nao tenciono endividar-me, e' *mesmo* uma pergunta academica, pode responder e dormir bem na mesma :)
Muito obrigado e boa escrita como sempre!
Pedro Gil
http://economia.publico.pt/Noticia/quando-se-e-do-sul-ese-menos-credivel_1434360
ResponderEliminarPA,
ResponderEliminarEu pressinto que a Alemanha vai segurar o Euro a todo a custo (que nao vai ser pequeno!). Por duas razoes:
a) a supply chain da suas industria esta' em grnade medida localizada na zona euro, basta olhar para os fabricantes de automeveis (e componentes) alemaes que fabricam em Portugal e Espanha. A saida do Euro seria um factor de instablidade elevado nas transacoes da industria alema.
b) paises com moeda muito desvalorizada 'as portas da alemanha iriam atrair investimento a uma escala muito grande da propria Alemanha causando ai desemprego e instablidade social.
c) por fim, uma saida de paises como a Italia e a Espanha do Euro provocaria a perda de mercados grandes para as expostacoes alemas (tornadas mais dificies pela implementacoa de moedas mais fracas()
Rui Silva
PS. Nao sabia que o Japao e' catolico... E' que uma boa parte do crescimento japones no pos-guerra foi devido a desvalorizacoes de moeda para incentivar a industria japonesa... mas pronto, o que 'e que eu percebo disso?
Assim eu arrisco-me a aventar que um bom negocio especulativo neste momento talves fosse o investimento em bonds gregos (ou portugueses se nao quisermos ser demasiado arricados).
ResponderEliminarEm breve vao valorizar...
Rui Silva
Parece-me, do fundo da minha ignorância, que o motor primeiro da globalização tem por trás uma matriz religiosa e ideológica: o local defendido pela tradição católica; o "top down" defendido pela tradição protestante e posteriormente assumido pela esquerda que vê no Estado e no paradigma da planificação central iluminada e esclarecida a solução para os problemas. Será assim?
ResponderEliminarPedro Gil,
ResponderEliminarEm breves palavras a mudança do euro para uma nova moeda portuguesa (chamemos-lhe bento)envolve o Estado decretar o congelamento de todos os depósitos que os portugueses possuem nos bancos em euros, e depois convertê-los em bentos a uma taxa oficial inicial que será desfavorável para os depositantes (i.e., para os cidadãos), digamos 1 euro contra 1 bento.
Quando os mercados cambiais reabrirem, o bento desvaloriza imediatamente, digamos 1 euro passa a valer 1.25 bentos.
Portanto, quem tiver euros fora do país fica a ganhar (pode trocá-los contra bentos à taxa de 1.25 e não de 1.00).
É por esta razão que nas últimas semanas enormes quantidades de depósitos em euros na Grécia têm voado para fora do país (na última semana deve ter acontecido o mesmo em Portugal).
Quanto à sua ideia de tomar um empréstimo em euros em Portugal, colocar os euros fora do país, e aguardar pela introdução dos bentos, não me parece boa. É que você vai ter de pagar ao banco em euros,que é a moeda em que o empréstimo foi contratado, não em bentos.
Caro Pedro,
ResponderEliminarMuito obrigado pela resposta!
Uma sugestao: Num dos posts mais recentes do JCD no Blasfemias (http://blasfemias.net/2010/04/29/a-caca-aos-especuladores/#comments) ha' imensos comentarios do anti-Comuna que achei super interessante ler. Acho que seria muito interessante se lhes dedicasse um post.
Pedro Gil